sexta-feira, 11 de julho de 2008

A morte de uma sociedade

Como o assassinato do herói Capitão América personifica o declínio dos ideais estadunidenses

Adriana Farias
João Villaverde

No final do ano passado, o personagem Capitão América foi assassinado, no último capítulo da saga Guerra Civil. Mais do que a morte de um super-herói, a morte da personagem representou o fim de um símbolo que não faz mais sentido na sociedade norte-americana de hoje. A análise é do editor da Marvel Comics, Joe Quesada.

Criado no final de 1941, na mesma época em que os Estados Unidos entravam na Segunda Guerra Mundial, o personagem vestia as cores da bandeira de seu país e na capa de sua primeira edição aparecia nocauteando o nazista Adolf Hitler. O Capitão refletia assim a determinada situação sócio-econômica da época. Era a síntese da ideologia militarista norte-americana: um herói intervencionista, que toma a justiça pelas próprias mãos contra governos estrangeiros que representariam o mal e sua única arma, um escudo, representaria a idéia de que o governo dos EUA só ataca para se defender, é a polêmica da “guerra pela paz”.

Com o tempo, o Capitão América foi considerado imperialista e mentor de uma “propaganda ideológica” sempre a favor dos Eua, ainda mais com a desaprovação, por parte da população, da invasão americana ao Vietnã, paralelamente, cresceu a antipatia contra os norte-americanos, e atualmente contra o governo Bush.

O então escritor, John Ney Rieber, mais pacifista, queria publicar um Capitão América mais voltado para si e questionando os valores do “modo de vida americano” (american way of life), já que para ele essa história de “guerra pela paz” não se justificava, pois a verdadeira causa do terrorismo é o militarismo norte-americano.

Tendenciando para este lado, Rieber mostra numa edição da Marvel de 2002, o Capitão América defendendo um nova-iorquino descendente de árabes de um ataque de exaltados xenófobos norte-americanos. Além disso, Rieber elabora uma saga, na qual mostra que as armas de alta tecnologia usadas pelos terroristas foram de fabricação norte-americana e que o terrorismo é conseqüência de um outro tipo de terror, plantado pelos próprios estadunidenses, criticando de maneira enfática a indústria da guerra como política de Estado, arrebentando o orçamento com gastos bélicos. Além de apontar em várias histórias o remorso do Capitão América com as barbaridades que os militares norte-americanos fizeram ao redor do mundo e pôr o “sonho americano” em questionamento.

Antes que mais danos pudessem ser feitos por Rieber contra a “imagem americana”, Joe Quesada passou a interferir diretamente nos roteiros, incentivando a saída de Rieber que afirmou à época estar escrevendo um Capitão América diferente do requerido pela Marvel.

Concomitantemente a isso, começa a invasão dos EUA ao Iraque (fevereiro de 2003) potencializando de vez a saída de Rieber, uma vez que seus roteiros de um Capitão América mais questionador não caberiam para aquela situação do país. Nesse processo, a Marvel preferiu, de início, ficar em silêncio perante a invasão ao Iraque, mesmo com boa parte da opinião pública pedindo engajamento explícito e declarado por parte do herói. O personagem foi acusado por fãs de ser traidor e desertor.

Hoje, os estadunidenses passam por uma nova fase histórica de caráter mais bélico e xenófobo, com a população ora defendendo ora repugnando a invasão do Iraque. Nessa conjuntura, o Capitão América não conseguiu acompanhar essa consciência ambivalente dos norte-americanos, servindo como pano de fundo para a morte do herói-símbolo do país.

Segundo Paulo França, editor Panini/Marvel, a morte do Capitão refletiu não só a mudança na sociedade americana, mas também, obviamente, uma estratégia de marketing para reerguer as vendagens do herói. No contexto dos quadrinhos Marvel, a morte do “sentinela da liberdade” (como era apelidado) refletiu-se quando ele não quis aceitar uma lei de registro proposta pelo governo que regulamentava os super-heróis e, conseqüentemente, os mantinham na mão do governo. “A idéia é essa o governo americano controlando todos esses heróis para agirem ao mando deles, isso iria causar um tremendo desequilíbrio no governo mundial. Em vez do herói simplesmente salvar a mulher que está sendo assaltada, de repente o governo vai querer mandá-lo para o Iraque cuidar dos interesses próprios do governo. Em cima disso tudo, reflete um contexto político bem forte”.

Jorge Rodrigues, assessor da Fest Comix e diretor comercial da Comix, completa dizendo que “o Capitão América defendia a liberdade e a Justiça, e rompeu com o governo ao se dar conta de que este lutava por interesses próprios.”


Guerra Civil

A história que levou ao assassinato do Capitão América se desenvolveu na saga Guerra Civil, publicada em 2007 pela Marvel Comics, nos Estados Unidos. O enredo traz o personagem Homem de Ferro querendo reorganizar a maneira como os super-heróis agem, como uma forma de manter todo o poder em suas mãos. Sua proposta era apoiada ideológica e financeiramente pelo governo dos EUA. O Capitão América de início se colocou contra esse pensamento, numa atitude que o deixou rival do Estado. “De uma certa forma, é a maneira dos quadrinhos de colocar essa idéia da sociedade americana de querer dominar o mundo, de fazer as coisas da maneira deles, de se for preciso, invadir um país para resolver interesses próprios”, afirmou Jorge Rodrigues, da Comix Shop.
O governo colocou em plebiscito a lei de registro dos super-heróis, com o Homem de Ferro funcionando como cabo eleitoral do voto favorável à emenda. A população votou à favor da regulamentação, e o Capitão América se manteve contrário a idéia de heróis “chapa-branca” do governo. Segundo Paulo França, encarregado da publicação dos títulos da Marvel no Brasil, “todas essas agências governamentais são meio podres por dentro, então é complicado tornar todo mundo funcionário do governo”. “Foi uma forma de mostrar que o governo dos EUA não está necessariamente seguindo o que o povo quer, e que nem sempre aquilo que o povo escolhe é o melhor a ser feito. O Capitão América, o símbolo dos EUA e da democracia pensou de uma forma “não democrática” – por ir contra os anseios da sociedade – e se tornou o inimigo número um da América”. E acabou assassinado no capítulo final de Guerra Civil.

Reportagem publicada na edição 52, mês de abril pág.9, do jornal-laboratório da PUC - SP, Contraponto.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do Blog e a seleção dos vídeos está muito boa!

abraço

Unknown disse...

Maninhaaa, tah legal o blog, tem que ser da familiaa!! hehe =D

Beijos s2