sábado, 12 de julho de 2008

A meses das Olimpíadas, movimentos pró-tibete demonstram lado desumano da China

Manifestações apontam como a ditadura chinesa trata os tibetanos e o seu próprio povo, além de utilizar os Jogos Olímpicos como propaganda política.

Adriana Farias
Natália Senóbio
Paula Salati

Na véspera dos Jogos Olímpicos, a China enfrenta constantes ondas de protestos levantadas por budistas e ativistas dos direitos humanos. As manifestações começaram no dia 10 de março, como uma reação à notícia de que monges budistas teriam sido presos depois de realizar uma passeata lembrando o 49ª aniversário do fracassado levante tibetano contra o domínio chinês, que levou o 14º Dalai Lama ao exílio, na Índia.

Os conflitos entre chineses e tibetanos originaram-se em 1949, ano em que o Tibete, incorporado à China comunista de Mao Tse Tung, vivenciou o desrespeito aos seus direitos humanos, a cultura e a religião. O ex-secretário do Partido Comunista, Hu Yaobang, chegou mesmo a admitir em 1980, que os padrões de vida dos tibetanos haviam declinado desde os anos cinqüenta e que a presença chinesa na região era um obstáculo ao desenvolvimento. No entanto, para os chineses, o Tibete foi liberado de sua situação de extrema pobreza e, atualmente, desfruta de crescimento e progresso social.

Diante desse quadro, parte da população tibetana, que não enxerga resultados no discurso pacifista de Dalai Lama, proclama não só pelo respeito aos direitos humanos, mas também por uma desvinculação do governo chinês, ou seja, uma independência territorial. Contudo, o próprio líder budista abandonou a reivindicação de independência, adotando uma política mais moderada de autonomia.

Para Valério Arcary, historiador socialista e dirigente do PSTU, “todos os povos têm o direito, se assim entenderem, a procurar um caminho de autodeterminação e no limite de independência. Existirá uma nação quando o povo achar que é uma, assim o processo será democrático. Mas, se eu fosse tibetano seria contra a independência territorial, porque não é economicamente viável. (...) Voltar ao pré-capitalismo e ao encerramento em fronteiras nacionais é, por um lado, condenar as sociedades que escolheram esse caminho ao atraso, significando a ante-sala da guerra.”

O apoio internacional ao Tibete tem se manifestado em vários países durante o percurso da tocha olímpica, como nos Estados Unidos (EUA) e na Europa. O boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim é promovido tanto por adeptos do budismo, inconformados com a proibição desta em território tibetano, quanto por ativistas políticos indignados com a falta de liberdade religiosa e de expressão. "Há milhares de presos no Tibete, o que é inaceitável. Todo mundo sabe que na China há uma ditadura, um regime totalitário que é um dos mais monstruosos que existe hoje no planeta”, diz Arcary.

Para o historiador, “boicotar os jogos não parece o melhor a ser feito. A melhor tática seria ir lá e denunciar o regime ditatorial, quando os olhos do mundo estiverem dentro da China. (...) O país é o inferno dos trabalhadores. As condições de vida são atrozes e a existência dessa ditadura encarcera seu próprio povo e o transforma em mão de obra barata para os investimentos que japoneses e norte-americanos fazem na China. Disso poucos sabem e a China é mostrada como o exemplo do mundo e continuará transmitindo isso na ocasião das Olimpíadas”.

Não é a primeira vez que os Jogos Olímpicos são utilizados como plataforma política. As Olimpíadas de 1936, em Berlim, serviram como um festival de louvor ao regime nazista. Hitler usou-os para provar a supremacia da raça ariana. A tocha olímpica passou por Tessalônica, Grécia, Bulgária e entre outros, indicando os locais que o Füher almejava conquistar.

No período da Guerra Fria, a União Soviética e os EUA fizeram das Olimpíadas o apogeu do apeloProstestos pró-tibete serão silenciados político. Em Moscou (1980), o presidente norte-americano, Jimmy Carter, anunciou um boicote aos jogos, alegando protesto contra as invasões soviéticas no Afeganistão. Já em Los Angeles (1984), os soviéticos retribuíram o boicote afirmando que as autoridades norte-americanas faziam dos jogos uma arena política e não garantiam a segurança de seus atletas.

A China, por sua vez, vê em 2008, uma oportunidade de demonstrar mundialmente a sua capacidade de sediar e organizar um evento global, além de polir sua imagem de grande potência econômica. Até mesmo o percurso da tocha apresenta uma natureza política ao atingir o pico do Monte Everest invocando glória e denotando poder passando por Taiwan, província rebelada.

O historiador completa afirmando que "Os chineses estão muito preocupados com a imagem externa, pois é uma operação de propaganda para despertar a simpatia. Mas o governo chinês, por enquanto, ainda se beneficia do fato de que a imprensa e a mídia mundial silenciam sobre as condições de vida do povo chinês”.

Aliança China - EUA

Segundo Arcary, “a relação China e EUA é extremamente complementar, mas não é uma relação de iguais. Há três correntes de opiniões sobre isso.”

Há uma primeira corrente muito minoritária nos Estados Unidos e marginal fora deles, que afirma que a China será uma das potências a disputar a liderança do sistema internacional de estados e terá um lugar central no mercado mundial nas próximas décadas.

A segunda corrente afirma que a China é basicamente uma colônia dos EUA, ou seja, o desenvolvimento chinês com a restauração capitalista que começou no final dos anos 70, com as “Quatro modernizações” de Deng Xiaoping é um crescimento econômico de uma colônia privilegiada que garante o abastecimento das demandas do mercado norte-americano.

Há uma terceira tendência nas relações internacionais que afirma que a China não vai se transformar numa potência imperial, e também não vai ser uma colônia, é uma posição intermediária. A terceira hipótese, portanto, trabalha com a idéia da China ser um estado independente dentro de um sistema mundial muito contraditório.

Para Arcary, “a segunda corrente é a mais razoável, pois a primeira hipótese, de que a China se transforme numa potência central, é completamente implausível. Isso nunca aconteceu sem guerra. Já a terceira hipótese, que lida com a China independente, não há futuro para isso. Há muito poucos estados independentes, como o Irã e Cuba e estão muito ameaçados, porque o governo dos Estados Unidos tem uma mania de identificar que todos os estados independentes são o Eixo do Mal.”

Reportagem publicada na edição 52, mês de abril pág.14, do jornal-laboratório da PUC - SP, Contraponto.

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