domingo, 23 de novembro de 2008

Soldados de aluguel


Nasce em 1996 no estado norte-americano da Carolina do Norte a corporação Blackwater USA. A empresa, fundada pelo cristão fundamentalista e de extrema direita Erick Prince, é considerada a 5ª força militar dos Estados Unidos e teve sua ascensão meteórica após os atentados de 11 de setembro de 2001 com a conseqüente “guerra ao terror” com a ocupação do Iraque e do Afeganistão.

A Blackwater fornece ao governo de George W. Bush e a grupos empresariais do ramo petrolífero ao alimentício, segurança privada por meio do envio de soldados que, por dinheiro, protegem os interesses e as instalações dessas corporações em regiões de alto risco, como no Iraque.

Para firmar a Blackwater no “trem da alegria” dos contratos de segurança, em 2004, Paul Bremer, nas vésperas de deixar o cargo de procônsul da ocupação americana no Iraque, baixou um decreto que conferia imunidade à Blackwater por quaisquer crimes cometidos na região iraquiana, a Ordem 17.

As implicações dessa regra e a relação entre governo americano e o mundo corrupto e sombrio dos prestadores de serviços militares no Iraque são os elementos que dão gás ao jornalismo investigativo de Blackwater – A Ascensão do Exército Mercenário Mais Poderoso do Mundo.

O autor é o americano Jeremy Scahill, jornalista colaborador da revista The Nation e que já atuou em coberturas internacionais no Iraque, na ex-Iugoslávia e na Nigéria. Publicado em 2007 nos EUA, o livro foi atualizado neste ano para abranger a história e a repercussão do massacre cometido na capital do Iraque, em Bagdá, pelos soldados de aluguel da Blackwater, no dia 16 de setembro de 2007.

Scahill não economiza nos detalhes deprimentes e inacreditáveis ao descrever os dezessete civis iraquianos assassinados pela Blackwater na praça Nisour, na capital iraquiana. Colhendo dados de testemunhas sobreviventes do episódio e em paralelo com as investigações do FBI, as alegações da Blackwater de que suas forças foram “atacadas com violência” e que “agiu apropriadamente e de acordo com a lei ao defender com heroísmo vidas americanas numa zona de guerra” vieram por água abaixo.

Os mercenários da Blackwater não tiveram um motivo consistente para metralhar aquelas pessoas na praça, muito menos haviam sido atacados. No entanto, foram inocentados e acobertados pelo Departamento de Estado americano, que protegeu a Blackwater, empresa que já adquiriu em contratos de segurança no Iraque 1 bilhão de dólares, sem licitação pública.

Scahill traz, em toda a extensão de sua obra, sinais suficientes para convencer que são corriqueiros os abusos cometidos pelos soldados privados para proteger altos funcionários do governo e corporações “amigas”, cristãs e republicanas não só no Iraque como em qualquer região do mundo que haja um conflito lucrativo.

Uma lei aprovada recentemente prevê que os mercenários podem responder nos tribunais dos EUA por crimes empreendidos no Iraque. Para isso, é necessária uma investigação do FBI que ao ir ao Oriente Médio colher as provas precisa da escolta da Blackwater ou de outras empresas do ramo. Assim, gera um conflito de interesses que é o ponto fundamental da obra: a dependência do governo americano para com os soldados privados no Iraque chega a tal ponto que não se consegue, ou mesmo não se quer, exercer um controle coercitivo dessas forças, que abrem um novo marco na história da guerra moderna.

Resenha publicada na edição 55, mês de outubro pág.22, do jornal-laboratório da PUC - SP, Contraponto.

domingo, 2 de novembro de 2008

De administrador para jornalista


Thiago Ney, repórter do caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, esteve no dia 27 de outubro, às 21h 30min, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para um debate com os alunos do primeiro ano, do curso de jornalismo. Neste bate-papo, Ney contou não só sobre sua trajetória no campo do jornalismo musical como também suas emoções, decepções e conflitos no jornalismo, além de explicar a relação jornalista-ídolo e o papel desempenhado pela internet na disseminação de conteúdos musicais.

PUC/SP – Como foi sua trajetória na carreira jornalística?
Thiago Ney -
Na verdade eu não sou formado em jornalismo, mas sim em administração de empresas pela PUC/SP mesmo, curso que, aliás, eu não indico.
Comecei a trabalhar com jornalismo por acaso. Recebi um convite para fazer um “freela” temporário e fiquei de dois a três meses no banco de dados da Folha. Quando eu fiquei nesse banco surgiu uma vaga para trabalhar nos Diários Associados, na área de esportes, fiquei dois meses e recebi convite em 1997 para entrar na editoria de cidades. Depois disso, peguei uma licença de seis meses e fui para Londres, Inglaterra. Nessa época eu estava no Notícias Populares e resolveram acabar com o jornal. Aí, em 2001 voltei a trabalhar na Folha como redator do caderno Ilustrada, e mais tarde passei a repórter.

PUC/SP – Quais foram os empecilhos profissionais que o sr. passou pelo fato de não ter feito jornalismo?
Thiago Ney
– No começo era complicado. A Folha é um dos poucos veículos comunicacionais que aceitam funcionários sem diploma. Deixei de ir para vários lugares porque não era formado na área. Nos Estados Unidos não existe faculdade de jornalismo, só pós. Se você quer ser jornalista de economia, você faz economia, se quer ser da área de política você faz sociologia, ciências sociais e por aí vai.

PUC/SP – Como foi a sua transição da editoria de esporte para cidades e do Notícias Populares para a Folha de S. Paulo?
Thiago Ney –
Você entra em esportes e pinta uma vaga em cidades se você se interessar vai, a mudança é tranqüila. Depende muito do que você gosta, e na mudança você acaba pegando as manhas de cada editoria, vai aprendendo a pesquisar as fontes daquela área para as suas matérias. Bem o mal você vai ter que se virar.

PUC/SP – Como o sr. conseguiu trabalhar no Notícias Populares, que foi um jornal que chegou a trazer na capa a imagem sensacionalista do cantor Rafael Ilha, do grupo Polegar, com uma pilha no estômago em detrimento de notícias relevantes para a sociedade?
Thiago Ney
– Bom, o jornal era destinado a classes C e D. Ele não tentava ser sensacionalista, mostrava o que ocorria na sociedade. A cobertura era muito forte do quesito policial, nas áreas do Capão Redondo, um jornalista amigo meu chegou até levar tiros com os policiais. [respondido com nervosismo]

PUC/SP – Certo, mas e a questão ética ao produzir capas tão peculiares, até mesmo bizarras?
Thiago Ney –
Não tem questão ética, estávamos mostrando a situação para as pessoas, evidenciando o que as drogas, no caso de Rafael Ilha, podem fazer com um ser humano. Ele era uma figura pública, saía no jornal não só seus feitos como músico, mas também se pisasse na bola sairia nos jornais e foi o que aconteceu.

PUC/SP – Mudando de assunto, como é a cobertura brasileira no cenário musical e o papel desempenhado pelo veículo?
Thiago Ney –
Você acaba fazendo o que pode na cobertura. Um jornalista gringo tem duas a três horas para fazer a reportagem. A gente tem entre 10 a 20 minutos, ainda por telefone. Aqui você tem muita limitação e também não é tão crítica quanto deveria ser.
Esse tipo de jornalismo funciona como filtro para muita coisa que sai. Só o que vale a pena nós divulgamos. E o legal é ver um texto que declare a sua opinião sobre determinada banda/show/musical/peça e não aquele texto burocrático. Isso é o que o leitor espera com tanta música bombando no cenário musical.

PUC/SP – O sr. acha que a revista mais importante e viva desse cenário seria a Rolling Stones?
Thiago Ney –
Ela não é aquela coisa. Há 15 anos você tinha 200 revistas musicais na Inglaterra, agora muitas acabaram. Você acessa tudo via internet.

PUC/SP – O My Space seria o grande disseminador dessa realidade?
Thiago Ney –
Sim, e isso era inevitável e foi bem legal. O acesso que isso dá a sua banda e ao público é bem legal. O problema é que você acaba domesticado, pois só pode ouvir aquilo que está lá, mas tem o seu valor. É muito melhor do que esperar meses até chegar o álbum e pagar caro.

PUC/SP – Como é tratada a questão de autonomia profissional na Folha?
Thiago Ney –
Na Folha temos liberdade para trabalhar. Eu sugiro as pautas, faço e não me restringem. Mas às vezes a matéria não fica tão bem apurada e então eles mudam alguma coisa, mas não é questão de censura.

PUC/SP – Como é a sua rotina como repórter da Folha?
Thiago Ney –
Os redatores trabalham todos os dias, têm cinco na Ilustrada. Eles chegam às 10h 30min, pegam os textos corrigem e enquadram. A presença deles na redação é indispensável. Já o repórter não, às vezes nem tem matéria para aquele dia. Eu chego às 9h, mas também posso entrar às 10h, 11h. Tento escrever a matéria um dia antes de sair. Não tem uma rotina, você sai colhendo os dados da sua reportagem, vai fazendo de acordo com o que aparece.

PUC/SP – Quais foram os momentos mais marcantes da sua carreira, o que mais te agrada no jornalismo e como é a relação jornalista-ídolo?
Thiago Ney –
Duas matérias minhas no Notícias Populares sobre a favela Heliópolis que fiz com outro repórter foi bem marcante, a repercussão foi bem legal. Outras reportagens que fiz sobre detentos e seita satânica uma vez me marcaram também. E claro, quando entrei na Folha, sempre quis trabalhar lá, fiz matérias importantes, a cobertura das Olimpíadas também foi muito bom.
O que eu mais gosto da carreira é a falta de rotina, sem dúvidas. Você não tem aquele horário fixo das 9h às 18h que você não pode se atrasar. Outro ponto que gosto bastante é a liberdade que tenho para escrever o que gosto.
Na relação jornalistas e famosos, o pior é você entrevistar quem você não gosta, aí você vai obrigado, é ruim. Mas você acaba se acostumando, o mesmo vale para quando é um ídolo que você admira muito e vai entrevistá-lo. Vale para o jornalista de esportes que tem que entrevistar o Rogério Ceni [goleiro do São Paulo Futebol Clube].
Eu já entrevistei caras que curto muito como Noel Gallagher do Oasis foi muito legal.
Um fato curioso foi quando entrevistei o 50 Cent, a entrevista durou 20 minutos e o gravador que eu estava usando não tinha gravado nada, a fita enroscou. Sorte minha que uma câmera de TV colombiana que, por acaso estava filmando a minha entrevista, enviou gentilmente por correio a gravação e pude recuperar a entrevista. Foi o maior sufoco!
Além disso, tive o privilégio de cobrir grandes shows que me marcaram que foi o do Nirvana aqui em São Paulo. Outra entrevista legal que fiz foi com Jack White do White Stripes.