sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Disparidades no Cáucaso reacendem duelo territorial e midiático


Governo russo ganha batalha de campo contra a Geórgia, mas perde a disputa publicitária pela opinião pública.

Adriana Farias
Natália Senóbio

Enquanto o mundo assistia à abertura dos Jogos Olímpicos em Pequim, na China, aos 53 minutos da madrugada de 8 de agosto a Geórgia, a fim de retomar o controle da província separatista da Ossétia do Sul, cercava e submetia a forte bombardeio a capital sul-ossetiana, Tskinvali, na região do Cáucaso.

Foi direto de Pequim que Vladimir Putin, primeiro ministro da Rússia, ordenou a rápida e previsível retaliação. Aviões, tanques e blindados russos invadiram a Geórgia, ex-república soviética pró-ocidente, em apoio à região separatista da Ossétia do Sul, onde 70 mil ossétios, dos quais 56 mil possuem cidadania russa, lutam desde os anos 90 por sua autonomia.

O governo georgiano ao tentar restabelecer a integridade territorial de seu país não calculou, porém, a dura retaliação da Rússia. No entanto, contava com a simpatia e aliança dos Estados Unidos para se lançar nessa aventura militar, já que a Geórgia, além de enviar 2 mil soldados ao Iraque em apoio a George W. Bush, mostrou interesse em ingressar na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), criada em 1949 com o objetivo de impedir um avanço soviético na Europa.



Contudo, no decorrer do conflito, os EUA e seus aliados na Europa Ocidental não ousaram em oferecer mais do que o apoio moral aos seus amigos georgianos.

Segundo o geógrafo Nelson Bacic Olic, o auxílio estadunidense não veio porque “os norte-americanos estão em uma situação desfavorável depois da aventura no Iraque. A economia não vai bem principalmente agora no fim do governo desastroso de Bush. Enquanto isso, a Rússia está subindo. Se fosse na década de 90, ela iria se redimir, pois os EUA estavam no topo e os russos em decadência. Assim se percebe claramente que as condições de dez anos atrás dariam aos EUA certa mobilidade de colocar ordem nessa região. Hoje, aparentemente, eles não têm essa possibilidade devido as suas próprias contradições e problemas.”


A aliança com os EUA mostrou que não há garantia de proteção incondicional para a Geórgia dentro da esfera de influência russa, a grande herdeira da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), que tem laços estremecidos com o Ocidente.

Tais relações abaladas possuem ligações diretas com a independência de Kosovo, ex-província separatista da Sérvia que, em fevereiro, estabeleceu um precedente para que o movimento se repetisse em outras regiões rebeladas. O recente país, ainda não reconhecido pela comunidade internacional, se desvinculou do governo sérvio com auxílio dos EUA em detrimento da Rússia, que foi contra o levante.

Outra razão para as disparidades no Cáucaso é a tentativa de minimizar o controle russo nas regiões das ex-repúblicas soviéticas. O Azerbaijão é uma grande área de produção de petróleo. Na antiga URSS o seu oleoduto passava pela Chechênia e com a dissolução soviética o país, a fim de se libertar da influência russa, construiu o oleoduto Bacu-Tbilisi-Ceyhan (BTC), fato que indispôs o governo da Rússia.

O confronto cessou após um acordo de paz mediado pela União Européia (UE), mas a tensão persiste. A Rússia, ao reconhecer a independência da Ossétia do Sul, querendo sua anexação, e da Abkházia, mostrou que é um elemento importante dentro do cenário da política internacional. “Isso abre um precedente para o bem e o mal da Rússia. O lado bom é que eles se consideram presentes e fazem o que bem entenderem nessa região, independentemente da vontade da UE e dos EUA. O lado ruim é que a mesma justificativa utilizada com a Ossétia, a Chechênia [república separatista russa] pode usar para conseguir a sua independência”, comenta Bacic Olic.

Duelo na mídia

Nos combates terrestres, durante o conflito na região do Cáucaso, a Rússia expôs ao mundo que ainda é uma superpotência armamentista e que pretende continuar disseminando sua influência na antiga esfera soviética. Apesar da vitória no campo de batalha, o Kremlin (sede do comando russo e da extinta União Soviética) não conseguiu vencer o governo da Geórgia na disputa publicitária a fim de conquistar a opinião pública nacional e internacional. O curso constante de informações controversas e mal explicadas divulgadas por ambos os governos tem inundado os veículos comunicacionais.

A Rússia quer convencer o mundo de seu papel como intervencionista contra um governo insensato do presidente georgiano, Mikheil Saakashvili, cujas forças foram responsáveis pela limpeza étnica contra o povo da Ossétia do Sul. A Geórgia, por sua vez, se descreve como um pequeno país lutando contra a grande potência russa e que sofre uma injusta punição do Kremlin devido às suas aspirações de se tornar uma democracia ocidental e aliada da OTAN.

Diante dessas manobras, as informações do conflito proferidas pelos agentes de relações públicas do governo russo e georgiano são recicladas pelas grandes agências internacionais ocidentais, principalmente as estadunidenses, que defendem os pontos de vista de seus países de origem e acabam por servir de referência aos meios de comunicação brasileiros.

“A imprensa brasileira é muito alinhada com os EUA, mesmo a Reuters é mais norte-americana que inglesa. Os jornais de referência para a mídia nacional são o The New York Times, Washington Post e na tevê é a CNN e a Fox. Tudo isso leva a mídia do país a um viés: achar que a Rússia invadiu a Geórgia. Quem violou a paz não foram os russos, foram os georgianos. Mas o primeiro passo não teve tanta repercussão. Só virou notícia quando foi o contrário. A imprensa brasileira compra a versão americana. Com o tempo, as coisas foram clareando na própria mídia nacional, mas não foi produzido de forma muito equilibrada”, enfatiza Igor Fuser, docente do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.

Diante dessas influências, é complicado ter um olhar brasileiro sobre o conflito. “A solução seria ter uma política de estado no sentido da democratização dos meios de comunicação, ou seja, de não ter o monopólio da informação no país como temos hoje, em que 99% das notícias que chegam até o grande público é filtrada por 5 ou 6 grandes grupos econômicos. Hoje você não recebe nenhuma informação que não passe pela Rede Globo, Folha, Estadão e editora Abril. Esses grupos controlam tudo o que chega até a população. Então, o monopólio da mídia induz pontos de vista: direciona a interpretação sobre o que acontece no mundo e no Brasil”, conclui Fuser.

Em entrevista ao jornal Correio Brazilense (DF), Anna Arutunyan, jornalista do portal de notícias The Moscow News, avalia que no geral a cobertura ocidental do conflito foi um pouco tendenciosa. “Do mesmo modo achei tendenciosas diversas notícias publicadas por veículos de comunicação russos. O fato é que a região do confronto ainda é muito desconhecida. Há poucas informações sobre a Geórgia, por exemplo, e diversos jornais começaram a publicar informações equivocadas. Não faziam idéia da veracidade dos fatos, apenas relatavam o que ‘supostas testemunhas’ presenciaram”. Isso se intensificou devido às más condições de trabalho dos profissionais.


As autoridades russas deram aos jornalistas ocidentais pouco ou nenhum acesso às aldeias que foram saqueadas e queimadas nas regiões sob controle russo na Ossétia do Sul e norte da Geórgia, o que torna praticamente impossível calcular a contagem final da violência na região e fazer uma cobertura mais correta dos fatos. Já os jornalistas russos puderam se movimentar livremente pela região e apurar melhor os acontecimentos, mas não conseguiram produzir notícias independentes. Eles freqüentemente praticavam a autocensura, por medo e receio da represália russa e georgiana.



Reportagem publicada na edição 54, mês de setembro pág.24, do jornal-laboratório da PUC - SP, Contraponto.


sábado, 11 de outubro de 2008

Maria Inês Nassif na PUC/SP


A jornalista Maria Inês Nassif, irmã de Luis Nassif, comentarista econômico da TV Cultura, é editora de Opinião do jornal O Valor Econômico e esteve no dia 6 de outubro, às 21h 30min, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para um debate com os alunos do primeiro ano, do curso de jornalismo. Neste bate-papo, Maria Inês falou, entre outros fatos, sobre sua trajetória profissional no campo da política e da economia. Contou suas emoções, decepções e conflitos no jornalismo, além de explicar o sentido de ser jornalista no século XXI.

PUC/SP - Conte-nos um pouco sobre seu rumo profissional?
Maria Inês Nassif - Eu morei um bom tempo em Brasília. Trabalhei na agência Dinheiro Vivo, nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, pena que hoje ele esteja tão descaracterizado. Passei por todos os grandes jornais do país.

PUC/SP – Como a sra. decidiu que a sua profissão seria o jornalismo?
Maria Inês Nassif – Fiz jornalismo por causa da insistência da minha mãe, o que eu queria era Ciências Sociais. Mas o jornalismo acabou me conquistando muito mais pela prática do que pela universidade. Eu me formei na Cásper Líbero, o curso era terrível, fiz uma faculdade péssima. Mais tarde fiz pós-graduação em Ciências Sócias aqui na PUC.

PUC/SP – Qual a sua relação com a carreira o que mais te marcou?
Maria Inês Nassif – Eu trabalho desde os 17 anos, era freelancer do jornal estudantil “Movimento”. Peguei o final da ditadura cobrindo política, presenciei a história e nada melhor do que registra-la de forma bem feita. A sensação de trabalhar para as gerações futuras, ver a história acontecendo e registrá-la, isso marcou minha vida.

PUC/SP – Na questão sobre o jornalismo na internet, a sra. acha que o jornal impresso está perdendo espaço? Como fica, especificamente, O Valor Econômico nessa situação?
Maria Inês Nassif –
Existe o conhecimento de que a informação democrática é mais barata, engloba mais gente e que ela chega mais rápido. Também existe a noção de que a linguagem do jornal não pode ser igual a da internet. Na estrutura do Valor, ele foi o jornal que mais se aproximou dessas questões. Como é um jornal que quase não tem competidor ele prioriza informação exclusiva, mais analítica, mais trabalhada e com uma informação mais redonda. Já a informação eletrônica do Valor é muito ruim. Ele precisa melhorar muito.
Os outros jornais competem muito por clipping. Tal competição impede que eles tenham uma linguagem e visão diferenciadas e mais trabalhadas.

PUC/SP – Qual a diferença editorial do Valor para os outros jornais como o Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo?
Maria Inês Nassif – O Estadão é conservador, a Folha é mais de esquerda. O Valor é mais progressista do que a visão dos sócios, não fazem oposição militante. São editores muito equilibrados, nem no campo da economia somos tão ortodoxos. A produção é pautada pela gerencia que decide tudo. Mas é um jornal plural que não cai em histerias como publicar manchetes do tipo “Brasil é o país mais corrupto do mundo”, “Impeachment já!”. O Valor é um jornal formador de opiniões e os anunciantes entendem assim.

PUC/SP – Como foi a transição da área de política para economia?
Maria Inês Nassif – O Brasil é muito diverso. A política é síntese das realidades sociais e das instituições que surgem. Há momentos em que você sente a história acontecendo, ali. É a área que você mais experimenta a história e os atores dela estão todos lá. Também segui pela política talvez pela cientista política que sou. No Estadão entrei na política fiscal, no Dinheiro Vivo escrevia sobre macro-economia e finanças mais porque fui obrigada, já que era sócia naquela época. Acabei fazendo mestrado em política com mercado financeiro. Fiz meu estudo sobre as Eleições em 2002 de Lula mediando as pressões do mercado. Foi quando consegui dar um sentido para isso tudo.

PUC/SP – Como é escrever n’O Valor Econômico?
Maria Inês Nassif – O espaço para escrever o que quiser é sonho de todo o jornalista. Na coluna do Valor eu tenho ampla liberdade que não teria em lugar nenhum, ela me dá mais satisfação. Eu creio que quando acabar o Valor eu vou estar fora do jornalismo. E jornalismo para mim é não ter que pedir licença para escrever.

PUC/SP – O que significa ser jornalista atualmente? Que tipo de mercado vamos encontrar?
Maria Inês Nassif – Hoje vocês são mais críticos. O jornalismo é um processo: o fim da ditadura coincidiu com a transformação dos jornais. A pós-ditadura excluiu os jornalistas mais politizados, por isso eles vivem numa crise causada pela posição política dos jornais. As famílias da elite foram jogadas para a direita quando acabou a aliança com as forças democráticas. Eles optaram pelo jornalismo do emprego e do salário.

PUC/SP – A sra. já teve algum conflito ético/profissional que te abalou?
Maria Inês Nassif –
Bom, eu até tive muita sorte com isso. Já tive problemas de um cara jogar o que eu escrevi no lixo, mas não era falta de ética. Na Folha de S. Paulo quiseram editar profundamente uma matéria minha, argumentando que o lide deveria conter isso e aquilo. Acho que isso foi o mais agressivo na minha área. Aí depois eu saí de lá.

PUC/SP – Qual foi a sua maior emoção no jornalismo?
Maria Inês Nassif –
Tive emoção para ruim. Foi na época da votação direta para presidente. Governo Militar. Os jornalistas choraram muito.
Já na posse de Lula, em janeiro de 2003, foi uma emoção boa. O povo ficou do lado de fora da Esplanada dos Ministérios e eu fui cobrir aquele momento não do lado de dentro mais do lado de fora com eles. Foi contagiante, as pessoas passaram a depositar todas as suas esperanças de futuro em Lula. No seu discurso, o mais marcante foi quando ele disse: “No meu governo todas as pessoas vão tomar café da manhã, almoçar e jantar”. Naquele instante existiu uma identidade, uma emoção coletiva contagiante.
Outro momento que marcou foi à morte de Tancredo Neves [presidente do Brasil pelo Colégio Eleitoral em 1985, mas não chegou a tomar posse do cargo], que deixou um sentimento de insegurança no país.